15 de dezembro de 2015

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PARASHÁ MIKÊTS


Nesta última semana nós lemos a parashá Mikêts. Continuando a história de Yossêf, que havia sido lançado à prisão sem ter cometido crime algum, o sonhador e interpretador de sonhos, é libertado da prisão e trazido em frente ao Faraó, que havia tido dois sonhos. 
Yossêf lhe diz: “Os dois sonhos são apenas um. As sete vacas gordas indicam sete anos de fartura no Egito, e as sete vacas magras que devoram as vacas gordas são sete anos de seca, fome e penúria no Egito. As sete espigas viçosas e as sete espigas murchas seguem a mesma interpretação”. 
Yossêf costumava ver seus sonhos e interpretações virarem realidade e, após um sonho ou interpretação simplesmente se acomodava e esperava o inevitável. Mas não dessa vez. Ele decidiu intervir em sua própria profecia, sugerindo ao Faraó que estocasse provisões durante os sete anos de fartura de modo que, durante os sete anos de seca, nenhum egípcio precisasse morrer de fome. 
Pela primeira vez Yossêf não se acomoda em seu próprio dom, e o utiliza em prol dos seus semelhantes. O Faraó vê ali um bom administrador, que enxerga longe e não deixará faltar ao Egito o básico. 
Nesta semana lembramos a vitória dos grandes macabeus sobre o domínio selêucida que lhes impunha forçosamente outra cultura e outra religião, sob pena de morte. Os macabeus se levantaram: “Não vão nos tirar o que é nosso por direito!” 
Contra as trevas da aculturação, contra as trevas da conversão forçada, contra as trevas que ameaçavam o fim do judaísmo naquele longínquo ano de 166 a.e.c., os macabeus trouxeram a luz pela autodeterminação de um povo, a luz da luta pelo direito à diversidade. O sonho dos macabeus tornou-se realidade ao tomarem a história em suas próprias mãos. 
Em Chanucá somos lembrados de nos levantar e resistir contra aqueles que tentam nos anular. Como os macabeus de outrora, também os chalutsím ousaram sonhar, interpretar e reinterpretar seus sonhos, ousaram tomar a história em suas mãos e construir uma nova realidade, mostrando a todos que não seríamos mais a massa de manobra, o refugo de guerra, os eternos estrangeiros jogados de um país para o outro. Não. Não vão nos tirar o que é nosso por direito. 
Hoje novos macabeus se levantam, sonhando com uma nova realidade. Não vão lhes tirar o que é deles por direito. Não vão lhes impor de cima para baixo as “vontades superiores” de um novo Faraó. 
Eles não ficarão quietos. Tomarão a história nas mãos e mudarão a realidade. Não vão se acomodar como o velho Yossêf! O sonho que o novo Faraó tem para eles não vai se tornar real. Eles vão se levantar e resistir contra o Faraó que tenta anulá-los e esmagá-los. 
E os novos macabeus farão acontecer a nova realidade nas escolas, empunhando uma menorá acesa pela maior das causas. A causa da educação. A causa mais dileta para os judeus e o judaísmo.
Moré Theo Hotz

16 de abril de 2015

Correção de curso

É uma constatação simples que, na história judaica, nunca antes houve tantas conversões ao judaísmo.

Isso é uma realidade em todas as correntes religiosas, seja entre reformistas, ortodoxos, conservadores, renewal, etc.


Obviamente existe um fator importante aqui que é a revolução da informação. Há 20 anos atrás não se achava tanta informação sobre judaísmo, disponível e de largo alcance, como após o advento da internet.

Mas, talvez, desde um ponto de vista religioso e místico, possamos encontrar alguma outra explicação.

A tradição milenar judaica afirma que uma alma judaica sempre nasce em uma família judaica. De fato, nossos sábios explicam que a conversão genuína se dá quando uma alma judaica, por algum "acidente", nasce em uma família não judaica. O anseio espiritual desta alma é tão forte que ela mesmo encontra alguma forma de "corrigir" seu curso e retornar ao judaísmo.


Desde o anoitecer de ontem estamos recordando o Yom haShoá (o Dia de Recordação da alma daqueles que pereceram durante o regime nazista durante os anos 30 e 40).


Seis milhões de mártires é a quantidade estimada, 1/3 do total do povo judeu.

Dos 6 milhões, 1,5 milhão eram crianças.

1.500.000 de crianças que não cresceram e não se casaram. Um milhão e meio de pessoas que não amaram seus maridos e esposas, não constituíram famílias, não tiveram seus milhões de filhos.


E então, no meu devaneio místico, eu penso que milhões de almas que potencialmente nasceriam em famílias judaicas que nunca se formaram, nasceram, por "acidente cósmico" em famílias não judias.

Talvez, muitas das buscas genuínas de conversão ao judaísmo sejam fruto do impulso espiritual de "correção do curso" do universo.

Não sei dizer.


Que possamos viver, honrar a vida e lutar para que nunca mais aconteçam catástrofes como a
Shoá (o Holocausto), nem conosco nem com qualquer outro povo.

14 de janeiro de 2013

Andanças



Andando por Pinheiros hoje, Deia e eu, após minha consulta oftálmica,  com a pupila dilatada, passamos pela Praça Benedito Calixto, totalmente diferente num fim de tarde chuvosa de uma segunda-feira qualquer, num mês de janeiro. Deparamo-nos com um espaço interessante, entre sebo, biblioteca e café, com uma atmosfera acolhedora, música agradável e papo delicioso com o Prof. Alberico Rodrigues, que dá seu nome ao ambiente criado por ele, o Espaço Cultural Alberico Rodrigues.
Há um mural dedicado aos grandes escritores da humanidade, que nos legaram suas palavras e capítulos, influenciando a humanidade. No mesmo mural também se encontra uma homenagem aos tantos escritores anônimos, ou desconhecidos, cujos nomes não marcaram a História da Literatura, mas cujas palavras e livros foram inspiração para alguém no mundo.
À entrada do espaço, dois bustos: os dois maiores escritores da Língua Portuguesa (na minha opinião e, aparentemente, também na opinião do prof. Alberico) ladeavam a entrada: Machado de Assis e Luís de Camões. Não pude deixar de registrar este momento, justamente no dia em que estava me aventurando pelo mundo do audiolivro, escutando Os Lusíadas.


Meu olhar camoniano é uma homenagem, não uma simples brincadeira ou tiração de sarro, peço que compreendam, e eu a faço desde que li pela primeira vez um de seus sonetos, ainda na época da escola. No colegial. Onde também conheci Machado de Assis.
O que me leva a uma outra "coincidência" torta: estudei o colegial na Escola Estadual Homero Rubens de Sá, em Guarulhos, carinhosa e simplesmente chamada Homero, para os íntimos frequentadores daquele ambiente que também colaborou para que eu me tornasse quem eu me tornei.
Ao fundo, na cafeteria do Espaço Cultural Alberico Rodrigues, encontrava-se uma homenagem à Odisseia e a Ilíada, através de mais um busto: o de Homero.


Como acredito que nada acontece por acaso, escrevo por aqui mais esta experiência para compartilhá-la com vocês. E recomendo o lugar e um bate-papo sobre História, Literatura, paixão por livros, ou qualquer outro assunto com o patriarca da casa.
Realmente, "a vida é a arte do encontro", como disse o "poetão" Poetinha, o Capitão-do-Mato, Vinicius de Moraes.

19 de agosto de 2012

Sobre o voto nulo

Eu voto nulo quando não tenho candidatos.
Mas quando eu falo que anulo meu voto, muitos me criticam, acusando-me de por em risco a democracia. Dizem que nunca conseguiremos nada, porque voto nulo não anula a eleição. Dizem que eu não devo propagar besteiras sem conhecer a legislação eleitoral.
Caríssimos, eu conheço a legislação, e sei que não temos o poder de anular uma eleição. Mas quem disse que esse é o objetivo? O objetivo não é anular uma eleição, mas sim mostrar a insatisfação. Se um dia os votos nulos fossem maioria, talvez eles percebam que nós percebemos que há algo de errado. Talvez ajudemos a rodar a roda emperrada das reformas políticas. Talvez. Mas eu acredito que vale a pena tentar.
O voto nulo pode não ter poder de anular uma eleição, mas isso não significa que ele não tenha um poder e um impacto político grandioso.
Eu voto nulo porque me recuso a "votar no menos pior" (como se tal coisa efetivamente existisse). Mesmo porque, anulando ou não, vai acabar ganhando um indesejável (no caso da eleição paulistana). Não faz diferença, neste caso, votar no mano da Rússia ou no cara das cadeias montanhosas, porque eu não quero nenhum dos dois. Efetivamente, pra mim, qualquer um dos dois será exatamente a mesma coisa.
Para mim, votar no menos pior, ao contrário do que alguns colegas dizem por aí, significa perpetuar o sistema que temos. Imagino essa classe de políticos que temos pensando: "por que eu preciso ser bom? Basta ser menos pior. Sempre vai ter um trouxa ideologicamente esclarecido pronto pra votar em mim."
Você quer mostrar sua insatisfação com essa classe? Então mostre.
Ao contrário do que dizem por aí, votar no menos pior é que é se alienar e se eximir de ser um ser político e levar a política a sério. Votar no menos pior é dizer "estou satisfeito com a mediocridade", é dizer "a política me é indiferente", é dizer "a mudança é impossível".
Votar nulo não é se abster, não é abrir mão da sua manifestação política e de sua ação cidadã e democrática. Votar nulo é pura democracia, é o puro exercício de poder de um povo que tem de "cumprir seu direito" democrático, que tem de "exercer sua obrigação" de votar.
Pense fora da caixa. Enquanto você vota do menos pior, você mantém o sistema funcionando exatamente como ele está. Ao votar no menos pior você se torna conivente com essa bandalheira.
Votar no menos pior é exatamente o que eles querem que você faça.
Theo Hotz


23 de dezembro de 2011

Você sabia?

VOCÊ SABIA QUE OS ACONTECIMENTOS QUE DERAM ORIGEM À FESTA DE CHANUCÁ NÃO SE ENCONTRAM NARRADOS NO TANÁCH?

Isso se deve ao fato de as primeiras narrativas sobre a guerra dos Macabeus terem sido escritas em grego, o idioma mais difundido naquele momento histórico, mesmo na Judeia (aliás, Judeia é o nome grego da terra de Judá, e começa a aparecer nesta época). Por este motivo estas narrativas não entraram para o cânon judaico, embora constem da Bíblia católica, cuja canonização incorporou outros textos além dos escritos hebraicos.

Também a forma de comemorar Chanucá sofreu mudanças. Durante a antiguidade, e boa parte da Idade Média, o candelabro de 8 braços e 1 shamash não havia sido incorporado ao ritual de acendimento das luzes de Chanucá.

Até os séculos XIII ou XIV o acendimento era feito através de lâmpadas de óleo individuais, como aquela da história do Aladim. Somente a partir desta época é que surgiram os primeiros candelabros especialmente fabricados para comemorar a Festa das Luzes. Durante esta época, algumas autoridades rabínicas chegaram a proibir o uso da inovação, pois ela ia contra a tradição já estabelecida. Hoje, no entanto, é praticamente impensável comemorarmos chanucá de outra forma. E esse sempre foi o espírito judaico: tradição sim. Renovação sempre.

5 de setembro de 2011

DON'T STOP ME NOW!

Não pude resistir. Sou um apaixonado por esta música, escolhida como homenagem a Freddie Mercury, que faria 65 anos hoje.
O Queen foi uma das melhores expressões artísticas dos anos 70 e, na minha modesta opinião (de inteiramente leigo), uma das maiores bandas de todos os tempos, representando uma verdadeira revolução musical, combinando o clássico e o pop, o rock e a música de câmara.
Freddie Mercury era o gênio por trás disso tudo. Com verdadeiros virtuoses a acompanhá-lo, fundou a banda que - sem sombra de dúvida - é a Rainha de todas as outras.
Clique na figura abaixo e aperte o botão "play". Esta é a homenagem doodle do Google para o dia de hoje.
Have a good time!





4 de setembro de 2011

Um pouco mais sobre ashkenazim e sefaradim

Como sabemos, há muito tempo o judaísmo se encontra dividido basicamente entre dois grupos, baseados numa classificação geográfica: Ashkenazim e Sefaradim.
- Ashkenazim = judeus cujos ancestrais das Idades Média e Moderna eram provenientes da Europa Central (França, Alemanha, Áustria) e da Europa Oriental (Polônia, Romênia, Rússia, Ucrânia, Lituânia);
- Sefaradim = judeus cujos ancestrais das Idades Média e Moderna eram provenientes da Península Ibérica (Espanha e Portugal).
No entanto, existem ainda outros grupos, conforme segue:
- Mizrachím = judeus cujos ancestrais das Idades Média e Moderna eram provenientes dos diversos territórios do Oriente Médio. Judeus do Iraque e do Irã, já se encontravam naquela região desde o período entre o 1º e o 2º templo (há uns 2600 anos!)
- Teimaním = apesar do Iêmen (Teimán, em hebraico) ser um país do Oriente Médio, o judaísmo desenvolvidao por aquela comunidade ganhou características muito específicas, diferenciando-se sobremaneira do judaísmo mizrachí em geral;
- Magrebím = judeus do Norte da África (Mauritânia, Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito) estabelecidos na região desde os tempos da expansão helenista e romana (há uns 2200 anos!). As comunidades mais antigas eram as da Mauritânia, Cirenaica, Cartago e Alexandria.
- Italkím = judeus da península itálica, estabelecidos na região desde a época do Império Romano (aproximadamente 2200 anos atrás).
Então por que costumamos dizer que um judeu marroquino ou egípcio é sefaradi?
UM POUCO DE HISTÓRIA
Como sabemos, a partir da queda do 1º Templo teve início um processo diaspórico judaico, quando os judeus foram exilados na Babilônia (Iraque e Irã atuais).
Mesmo após o retorno à terra de Israel e construção do 2º Templo em Jerusalém, esse processo de espalhamento continuou. Assim se formaram outras comunidades fora da Judeia: Mizrachím, Magrebím e Italkím.
Após a destruição do 2º Templo (70 e.c.) e a 3ª Guerra Judaico-Romana (conhecida como Revolta de Bar Cochbá), iniciou-se a formação das comunidades Sefaradim e Ashkenazim (fruto do espalhamento promovido por Roma). Há quem ateste que já havia alguma comunidade na Península Ibérica antes da queda do Templo.
Muitos séculos se passaram e, em 1492, os judeus são expulsos da Espanha. A grande maioria foge para Portugal. Contudo, em 1496 os judeus são convertidos por decreto e, a partir desta data, “não existem mais judeus em Portugal”. Os outrora judeus passam a ser designados como cristãos-novos.
Pouco tempo mais tarde, em 1536, a Inquisição é instalada em Portugal. Começa, então, um processo de inúmeras vagas imigratórias. Os judeus que tinham oportunidade e condições de fugir de Portugal começaram a fazê-lo.
Estes sefaradím começam a se espalhar pelo Magrebe (norte da África), Itália, Holanda, Colônias da América Portuguesa, Espanhola, Inglesa e/ou Holandesa e Oriente Médio. Alguns têm seu paradeiro traçado até o Leste Europeu (provavelmente em sua rota em direção ao Oriente Médio).
Na maior parte desses lugares, os sefaradím encontram comunidades há muito estabelecidas, nas quais foram recebidos e absorvidos. Religiosamente, porém, foram os sefaradím que acabaram influenciando em grande parte a prática dos judeus já estabelecidos.
Isso explica a tendência natural de chamar os judeus árabes de sefaradím, embora historicamente, antropologicamente, geograficamente e liturgicamente não seja correto. Isso também explica porque os judeus ashkenazim do leste Europeu passam a adotar o nússach (rito litúrgico) Sefarad, diferenciando-se sobremaneira do nússach ashkenazi alemão e austríaco.
Mas o movimento imigratório não atingiu apenas os sefaradím. Também entre os Ashkenazim houve momentos de perseguição durante a Idade Média. A partir do ano 1000, iniciou-se uma série de perseguições na Europa cristã contra os judeus, os quais basicamente foram declarados culpados por Jesus não ter retornado à Terra no Réveillon daquele ano.
Depois desta data, entre os séculos XI e XIV, muitos acontecimentos influenciaram direta e indiretamente as comunidades judaicas europeias. Foi nesta época que ocorreram as as Cruzadas, a Peste Negra, os Libelos de Sangue e outras acusações promovidas ora por clérigos da Igreja, ora por populares. Como resultado, os judeus começaram a imigrar de tempos em tempos entre os vários países do centro e do leste europeu.
É por esse motivo que, já nos séculos XVIII e XIX podemos encontrar tantos sobrenomes tipicamente germânicos entre judeus russos e poloneses, e sobrenomes claramente eslavos entre tantos judeus alemães. Também começam a aparecer sobrenomes germânicos escritos de acordo com a grafia polonesa (como Sztajn e Zylber, por exemplo), ou grafados de acordo com a pronúncia yídishe, na qual o germânico Kaufman vira Coifman.
Neste processo imigratório, alguns judeus da Europa Central também se fixaram na Península Itálica. Por isso há sobrenomes judaico-italianos que são tradução direta de sobrenomes germânicos: Tedesco (Deutsche), Montefiore (Rosenberg), entre outros. Assim, com o tempo, praticamente toda a comunidade judaica mundial estava polarizada entre ashkenazim e sefaradim, os quais, devido a seu histórico imigratório, tornaram-se os dois maiores troncos do judaísmo, e influenciando diretamente a prática judaica.
Shavúa tov!
Moré Theo Hotz